História da Família Ipanema de Moreira
Há duas ruas no Rio de Janeiro que comemoram a passagem de José Antonio Moreira. Uma é a Rua Barão de Ipanema no bairro da Praia de Copacabana e a outra, a Rua Conde de Ipanema na vizinha Praia de Ipanema. Pouco se escreveu sobre esse influente empresário e financista brasileiro da colônia portuguesa de Dom João VI e do império de Dom Pedro I e Dom Pedro II. Como ele é meu antepassado, montei uma biografia curta e resumida baseada em documentos públicos e arquivos familiares. Sua história reflete a modernização do Brasil no século 19 – de uma economia de plantação escravagista para uma nação moderna em industrialização. É também uma história da má fase de especulação imobiliária e a dissipação de riqueza por descendentes ociosos.
A trilha da família Ipanema de Moreira começa na cidade de São Paulo, Brasil, no final do século XVIII. José Antonio Moreira, futuro Conde de Ipanema, nasceu em São Paulo, em 23 de outubro de 1797, filho de José Antonio Moreira (Pai) e D. Ana Joaquina de Jesus. A família era de origem nobre, do Distrito de Braga no norte de Portugal. Moreira era um nome comum em Portugal, com o significado de amoreira, por vezes associado à comunidade dos “conversos” (conversão forçada de judeus à igreja católica).
José Antonio Moreira (pai) era um próspero comerciante de São Paulo com ligações estreitas com a administração colonial. Desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do primeiro empreendimento industrial moderno do Brasil, a siderúrgica de Ipanema (Fundição Ipanema).
A invasão de Portugal por Napoleão fez com que a corte portuguesa de Dom João VI fugisse para o Rio de Janeiro em 1808. Dom João VI eliminou imediatamente todas as restrições mercantilistas existentes à manufatura domestica e apoiou ativamente a autossuficiência industrial. A fundição de ferro foi considerada de alta prioridade, e uma área com depósitos de ferro nas proximidades da cidade de São Paulo foi escolhida como o local para o desenvolvimento.
A existência de jazidas de minério de ferro na Serra de Ipanema em uma área conhecida como Fazenda Ipanema, próxima à vila de Iperó, 125 km ao noroeste da cidade de São Paulo, era conhecida desde os primórdios da colonização portuguesa. O local escolhido para a fundição de ferro localizava-se no rio Ipanema, afluente do rio Sorocaba, e era cercado por matas que poderiam ser usadas como combustível para a fundição. A área já havia sido habitada por índios tupis, que a batizaram de “Ipanema”, em referência a um rio que ali nasce. Ipanema significa “água estagnada ou estéril” em tupi-guarani.
A sociedade foi constituída por Carta Régia em 4 de dezembro de 1810 como sociedade acionista de economia mista, com 13 ações pertencentes à Coroa portuguesa e 47 a acionistas privados, empresários com ligações à corte. José Antonio foi um investidor fundador, e provavelmente representava os interesses da coroa. O projeto era de grande interesse para Dom João IV, que contou com o apoio técnico de especialistas suecos e alemães, e sabe-se que visitou a fábrica em várias ocasiões.
A Serralheria da Fazenda Ipanema, conhecida como Real Fábrica de Ferro de São João de Ipanema, fundiu seu primeiro ferro em 1816 e funcionou até 1895. Abaixo, uma foto de 1890.
O empreendimento, que pode ser considerado o primeiro empreendimento industrial moderno do Brasil, incluiu uma barragem e uma ferrovia de 4 km ligando as jazidas de minério de ferro à usina. A área é agora um parque nacional e uma atração turística popular. As estruturas do moinho estão intactas, como mostram as fotos abaixo, e podem ser visitadas pelo público.
A localização geográfica do local é mostrada nos mapas abaixo.
José Antonio Moreira, tanto o pai como o filho, se envolveram ativamente na Fundação Ipanema. O futuro Conde de Ipanema, referido daqui em diante como José Antonio Moreira, se envolveu na Fundação Ipanema desde cedo e permaneceria ligado aos empreendimentos industriais da metalurgia na primeira onda de industrialização do Brasil durante o regime imperial.
Desde a época da Fundação Ipanema, a família Moreira manteve-se intimamente ligada à corte imperial do Rio de Janeiro. No início da década de 1820, José Antonio Moreira estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde em 1823 casou-se com D. Laurinda Rosa Ferreira dos Santos, filha de um comerciante português do Porto. Ela nasceu no Rio de Janeiro em 1808 e faleceu em Bruxelas em 1881. Tiveram seis filhos: José Antonio Moreira Filho, o futuro 2º Barão de Ipanema (1830-1899); João Antonio Moreira (1831-1900); Joaquim José Moreira (1832-?); Manoel Antônio Moreira (1833-?); Laurinda Rosa Moreira (1837-1920); Mariana Rosa Moreira (1842-?) e Francisco Antônio Moreira (1845-1930). Francisco Antonio Moreira é meu tataravô.
José Antonio casou-se com uma das famílias mais ricas do Rio de Janeiro imperial. Seu sogro era José Ferreira dos Santos, um comerciante de grande destaque. Uma pesquisa recente do professor de história da UCLA William Summerhill revela que José Ferreira dos Santos foi membro da Junta Administrativa da Caixa de Amortização de 1840 a 1846. Os membros desta comissão parlamentar – “capitalistas nacionais… e os maiores detentores da dívida nacional” – supervisionaram as operações do Tesouro para garantir o pagamento das obrigações da dívida soberana. O próprio José Antonio fez parte desta comissão de 1859-1869. Durante esse longo período de prosperidade sob o imperador Dom Pedro II, tanto José Antonio quanto seu sogro estavam entre os maiores detentores de títulos do governo, as chamadas “apólices”, no que era um mercado altamente concentrado. (Summerhill fornece um relato fascinante das finanças do Império em seu livro Revolução Inglória. Esse período prolongado é único na história brasileira pela credibilidade impecável do estado brasileiro.)
O sucesso de José Antonio como empresário e financista e seu serviço à Corte Imperial foram reconhecidos em inúmeras ocasiões com as mais altas condecorações : Comendador da Imperial Ordem de Cristo e Dignitário da Imperial Ordem da Rosa, 1845; Baronato de Ipanema,1847; Grandezas de Barão de Ipanema, 1849; Viscondado com Grandeza de Ipanema, 1854; e Conde de Ipanema, 1868. A associação de José Antonio com a Siderurgia e Metalurgia de Ipanema fica clara pela escolha do nome Ipanema. (Títulos imperiais de nobreza eram concedidos com base no mérito e serviço à coroa e, geralmente, não eram hereditários.)
Os escudos heráldicos dos Moreiras portugueses e dos Ipanemas brasileiros estão ilustrados abaixo. Repare que ambos os escudos têm a cruz florida, que em Portugal era o símbolo dos Cavaleiros de São Bento de Aviz, ordem de cavalaria fundada em 1146. O escudo de Ipanema também tem uma linha azul com cinco estrelas (representando o Rio Ipanema) e um Caduceu de Hermes (que representa a sabedoria).
Em 1844, durante o reinado de D. Pedro II (1831-89), o Brasil adotou políticas de promoção da industrialização e substituição de importações de produtos manufaturados, incluindo tarifas rígidas de até 60% sobre as importações. Antes dessa reforma, o país dependia amplamente de importações britânicas. A mudança de política resultou na primeira onda de industrialização do Brasil, que teve como principal empresário Irineu Evangelista de Sousa (Visconde de Mauá). José Antonio Moreira foi um dos primeiros sócios de investimentos e conselheiro do Visconde de Mauá. Evidentemente, José Antonio fez bom uso de suas conexões com a corte imperial e seu expertise em metalurgia nesse período, e coinvestiu com o Visconde de Mauá em empreendimentos siderúrgicos, estaleiros, bancários, de barcos a vapor e ferroviários.
José Antonio Moreira foi o primeiro presidente do Banco do Brasil, um empreendimento de Visconde de Mauá, que foi crucialmente importante no financiamento da industrialização inicial do Brasil e que ainda hoje, desempenha um papel vital na economia brasileira. Curiosamente, nos documentos de afretamento da fundação do Banco do Brasil, José Antonio é descrito como um “empresário nacional envolvido no negócio de navios e generos nacionais”.
José Antonio também fez parcerias comerciais com investidores estrangeiros, incluindo empresas siderúrgicas na Bélgica. A partir de meados da década de 1850 José Antonio se envolveu com Bruxelas, e em 1860 sua esposa, D. Laurinda Rosa Ferreira dos Santos, passa a residir lá. A partir desta época, quatro de seus seis filhos se estabelecem em Bruxelas: Manoel Antonio, Mariana Rosa, Laurinda Rosa e Francisco Antonio Moreira. Manoel permanece em Bruxelas, onde serve como cônsul geral do Brasil, e seu filho, Alfredo de Barros Moreira, se torna o primeiro embaixador do Brasil na Bélgica.
Temos dois retratos de José Antonio. O primeira é um esboço dele quando jovem; o segundo, datada da década de 1860, mostra-o no auge.
Na fase final de sua vida na década de 1870, José Antonio Moreira compra uma propriedade localizada a cerca de 12 km ao sul do centro da cidade do Rio de Janeiro. Essa área com mais de 3 km de praia de frente para o Atlântico é hoje conhecida como o bairro da Praia de Ipanema.
A propriedade foi comprada em 1878 e inicialmente usada como casa de campo (chacara). Abaixo, uma representação artística da área na década de 1870 pelo pintor Eduardo Camões (n. 1955- ).
O mapa abaixo mostra a propriedade no contexto do Rio de Janeiro atual. A “chacara” se estendia da ponta sul da Praia de Copacabana (delineada pela atual Rua Barão de Ipanema) até o canal que liga o oceano à Lagoa Rodrigo das Freitas e cria a divisão entre os bairros de Ipanema e Leblon. A propriedade se estendia por partes do atual Leblon, incluindo o atual local do clube esportivo Monte-Libano.
O terreno adquirido por José Antonio Moreira era conhecido na época como “Praia de Fora de Copacabana”, que fazia parte de uma área maior chamada “Fazenda Copacabana”. A maior parte da propriedade foi comprada de um empresário francês, Charles Le Blond, dono de uma operação baleeira chamada “Alianca” que detinha o monopólio de abastecimento de óleo de baleia à cidade do Rio de Janeiro. Le Blond faliu na década de 1860 quando o Visconde de Mauá introduziu iluminação a gás à cidade do Rio de Janeiro, e isso foi o provável motivo pela venda do imóvel. Os vestígios da operação baleeira de Le Blond incluem os nomes dos bairros da Praia do Leblon e da Praia do Arpoador, no ponto mais leste da Praia de Fora. O promontório rochoso que separa a Praia do Arpoador de Copacabana teve um papel importante na operação baleeira como um mirante ideal para detectar grupos de baleias migratórias.
A área era originalmente ocupada por índios tamoios e, brevemente, na década de 1550 o local de um posto militar francês. Conta a história que um antigo governador português erradicou a população indígena, fornecendo-lhes cobertores infectados com varíola (aparentemente uma prática comum no século XVI).
As partes sul e oeste da Fazenda Copacabana também foram amplamente utilizadas para grandes moendas de cana-de-açúcar e pastoreio de gado dos séculos XVI a XIX na área que se estende do Leblon ao Jardim Botânico. A parte leste da Fazenda Copacabana (atual Copacabana e Ipanema) era imprópria para a agricultura por causa do solo arenoso e ácido (restinga) e, no caso de Ipanema, inundações frequentes da lagoa. Uma das poucas construções na região era a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, um convento carmelita erguido no início do século XVI. O convento continha uma cópia de uma estátua da Virgem Maria da Igreja de Nossa Senhora de Copacabana às margens do Lago Titicaca, no Peru, que se dizia ter qualidades milagrosas; e daí o nome da praia.
Muito provavelmente, a compra da propriedade da Praia de Fora foi realizada como uma aposta especulativa imobiliária com grandes perspectivas futuras. Empresário de destaque, ligado ao Visconde de Mauá e à administração imperial, o Conde de Ipanema conhecia os planos de desenvolvimento urbano da cidade. No centro dessa visão estava a Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico, empreendimento do Visconde de Mauá, que planejava expandir suas trilhas de bondes para as praias do sul do Rio de Janeiro. Com certeza, estava a par da moda europeia em meados do século XIX de frequentar resorts praianos, tornados possível pela expansão de ferrovias e por uma crescente valorização dos benefícios do mar à saúde. Infelizmente, o Conde faleceu em 1879, deixando o futuro desenvolvimento da área nas mãos de seu filho mais velho.
José Antonio Moreira Filho tinha 49 anos quando seu pai faleceu. Parece ter sido um empresário de sucesso por conta propria e muito estimado pela Corte Imperial, tendo sido condecorado em várias ocasiões: Comendador da Ordem Militar de Cristo e da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Vicosa (o prêmio dado pelo soberano por serviços prestados à Casa Real). Recebeu o baronato por decreto em 1885 e a grandeza por decreto em 1888. Em 1856 casou-se com D. Luiza Rudge (1838-1891), filha de George Rudge e Sofia Maxwell. Seu sogro era Joseph Maxwell (1772-1854), um dos homens mais ricos do Brasil, fundador da casa de corretagem Maxwell Wright, um estabelecimento comercial com fortes ligações aos mercados americano e britânico e um dos principais participantes do boom de exportação do café, assim como um facilitador do comércio do triângulo atlântico (importação de grãos e produtos manufaturados na América, exportação de café, e comércio de escravos da África). Os Rudges eram parceiros de negócios de Joseph Maxwell. As duas familias Rudge e Maxwell eram originalmente comerciantes de Gloucester, Inglaterra. José Antonio Filho e Luiza Rudge tiveram cinco filhos – Carlos, Luiza Sophia, José Jorge, Carlos Alfredo, Laurin Rosa e Sophia, Emília – todos assumiram o sobrenome Ipanema de Moreira e viveram suas vidas no Rio de Janeiro.
Abaixo, o único retrato que temos de José Antonio Filho feito na década de 1870, antes de se tornar o Barão de Ipanema.
Temos também uma pintura dos dois filhos mais velhos, Carlos e Luiza, posando em uma rede em Ipanema com a Lagoa Rodrigo da Freitas e o Pico da Catacumba ao fundo.
Os planos de José Antonio Moreira Filho para a “Praia de Fora” dependiam da melhoria do acesso às praias do sul. Durante a década de 1880 o acesso à região era feito por turistas ocasionais principalmente pelo mar. Isso mudou quando, em 1892, a Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico inaugurou o Túnel de Copacabana (hoje Alaor Prata), ligando a Praia de Botafogo à Praia de Copacabana e fornecendo serviço de bonde entre o centro do Rio e as praias do sul. Uma linha de bonde cobrindo toda a extensão da praia de Copacabana foi concluída no início de 1894.
Antecipando a ampliação do serviço de bondes, foi oficialmente lançado em abril de 1894 o projeto de incorporação imobiliária da Vila Ipanema. Os terrenos de Copacabana e Leblon não foram incluídos na Vila Ipanema, e não se sabe se foram doados à prefeitura ou incorporados a outros empreendimentos em promoção na época.
O layout da Vila Ipanema pode ser visto nos dois documentos abaixo. O primeiro, datado de 1894), é o projeto urbanístico original encomendado a Luiz Rafael Vieira Souto, engenheiro-chefe da Prefeitura do Rio de Janeiro. O segundo, de 1919, é de um folheto de marketing.
A Vila Ipanema dividiu a área em 45 blocos. Cada bloco padrão era dividido em 40 lotes, cada um medindo 10 metros por 50 metros. Foram lançados no mercado mais de um milhão de m2 de imóveis.
O lançamento inicial incluia 19 ruas e duas praças públicas (General Osório e Nossa Senhora da Paz). A maioria dos nomes das ruas homenageava parentes, associados e aliados políticos do Barão e seus parceiros. Por exemplo, a via principal na época do lançamento era a Rua 20 de Novembro (atual R. Visconde de Pirajá), que comemorava a data de nascimento de D. Luiza Rudge. Dos nomes originais restam poucos: R. Alberto Campos (cunhado) permanece; Avenida Vieira Souto, em homenagem ao urbanista, ainda enfeita a orla.
José Antonio Moreira Filho teve vários sócios na Vila Ipanema: Coronel Antonio José Silva, José Luis Guimarães Caipora e Constante Ramos. O Coronel incorporou o terreno que possuía na Praia de Fora ao projeto Vila Ipanema. Em 1901 os acionistas da Vila Ipanema eram os seguintes: a família Ipanema de Moreira, 90%; E. de Barros, 6,5%; Coronel Silva, 3,5%; Ulisses Vianna, 1,0%.
A sorte de José Antonio Moreira Filho parece ter se esgotado em seus últimos anos. Vila Ipanema foi lançada quando estava com 64 anos e com problemas de saúde. Dada sua intimidade com a corte imperial, a deposição de Pedro II em 1889 e seu exílio em Paris podem ter prejudicado seriamente seus negócios. Certamente, quando o conde adquiriu a propriedade, não havia previsto o fim do regime imperial. A proclamação da Primeira República em 1889 foi seguida de instabilidade política e crise econômica, e a fuga de capital humano e financeiro. Nos cinco anos após o golpe de Estado que derrubou D. Pedro II até o lançamento da Vila Ipanema em 1894, o real, a moeda brasileira, perdeu 60% de seu valor em relação ao dólar americano, e perderia outros 40% até se estabilizar em 1899. A década de 1890 também veria a ascensão de São Paulo como o centro econômico dinâmico do Brasil e o polo de atração para ondas de imigrantes italianos e japoneses.
Em meados da década de 1890 quase toda a família Ipanema de Moreira se instalou na Europa, mais especificamente em Paris ou Bruxelas. O Brasil, por sua vez, se tornou uma memória distante. Com o falecimento do Barão em 1899, o controle majoritário da Vila Ipanema passou para seu filho Francisco Antonio Moreira que residia em Paris, tendo se mudado do Brasil havia 40 anos.
O seguinte relato do filho de Francisco Antonio (sobrinho do barão), Alberto Jorge de Ipanema Moreira, dá um um pouco de cor à história:
“Na primavera de 1898 viajamos para o Rio, meu pai, minha tia e eu. Meu pai e minha tia foram tentar resgatar o que restava de uma fortuna brilhante. Seu irmão e também procurador, o Barão de Ipanema, estava velho e doente e seus negócios haviam falido. A única coisa que restara eram as imensas terras em Copacabana e a “Praia do Arpoador” agora rebatizada de “Vila Ipanema”. Após a morte do Barão de Ipanema, foi feito um acordo entre seus herdeiros de um lado e meu pai e minha tia do outro, de que as terras que haviam sobrado para venda seriam divididas da seguinte forma: 35% para os herdeiros e 65% para meu pai e minha tia. Embora nascidos no Rio, meu pai, minha tia e minha mãe – ela de descendência inglesa, Rudge por parte de pai e Maxwell por parte de mãe –pouco conheciam o Rio, tendo sido enviados ainda muito jovens para estudar na Inglaterra. Tinham pouca noção dos ativos que possuiam no Brasil.”
Franciso Antonio Moreira, meu tataravô, era um bon vivant que desfrutava da boa vida entre Paris e Nice. Era casado com D. Maria Tereza Rudge, a segunda filha de Joseph Maxwell. Pressupostamente, ambos eram herdeiros de grandes fortunas. No entanto, parece que eles viveram muito além de seus meios consideráveis. Seu filho Alberto Jorge conta mais:
“Era de se supor que esse acordo familiar seria muito favorável para meus pais. Não foi bem assim; muito pelo contrário, viveram os trinta anos seguintes recebendo apenas migalhas. Este grande capital foi se esvaindo e serviu apenas para cobrir as despesas mais básicas e indispensáveis. Os lotes de Ipanema vendiam mal, e meu pai queria vende-los a qualquer preço. Ele nasceu um grande senhor e não tinha noção de economia. Muito elegante e garboso, gostava muito de esportes, especialmente a cavalo; generoso, extremamente caridoso e de uma retidão incomum, não via o mal em nada e não havia sido educado para administrar uma fortuna”.
Francisco Antonio teve seis filhos: Alberto Jorge (diplomata brasileiro), Maria Luiza minha bisavó que se casou com Eugene Robyns de Schneidauer, diplomata belga, Leonora, Maria Thereza e José. Todos residiram e faleceram na Europa. A primeira foto mostra Francisco Antonio por volta de 1900 em trajes cerimoniais da corte. A segunda é um retrato da família feito em 1929, perto do final de sua vida, com ele sentado no meio, ao lado de sua esposa.
As fotos a seguir mostram a Praia de Ipanema na virada do século 19 e em 1930. Observe como ainda era pouco desenvolvida em 1930, ainda com paisagem de restinga.
As vendas dos lotes da Vila Ipanema ocorreram de forma muito lenta, pois ninguém queria investir naquele “fim de mundo”. Isso se deveu em parte à concorrência de desenvolvedores na Praia de Copacanana, onde haviam muitas ofertas com maior proximidade ao centro da cidade e do transporte público. Além disso, embora Ipanema e Copacabana fossem comercializados como “saudáveis e higiênicos”, Ipanema era assolada por enxames de mosquitos quando a lagoa inundava periodicamente.
As vendas fracas também foram causadas pelo atraso na expansão do serviço de bondes, que chegou à Praça General Osório apenas em 1902. Até o final daquele ano, apenas 112 lotes haviam sido vendidos, o que representava apenas cerca de 6% do estoque disponível.
As despesas de desenvolvimento também sairam fora de controle. As despesas de capital, administrativas e de vendas ainda ocupavam mais de 60% das receitas no início de 1900. Devido aos altos custos de construção, em 1905 passou-se o trabalho de desenvolvimento para uma empreiteira, a Companhia Construtora de Ipanema, que havia feito trabalhos semelhantes em Copacabana e Leblon. Em 1906, esta empresa completou os taludes da lagoa, dando uma solução permanente às inundações.
A tabela abaixo mostra o fluxo de receita de vendas da Vila Ipanema de 1900 a 1930, época em que restavam poucos lotes. Esses números são apresentados em dólares americanos de 2020, ajustados pela inflação e pela depreciação da moeda. O real perdeu metade de seu valor nesse período. O pico das vendas ocorreu entre 1911-1915, período de pujança econômica e valorização do real. A evolução do real de 1984 a 1930 é mostrada no gráfico a seguir.
Nesse período de 30 anos, a receita bruta total da Vila Ipanema foi de US$ 15,1 milhões (USD constante em 2020). A receita líquida após todas as despesas foi de US$ 12 milhões, dos quais US$ 6,5 milhões foram para meu tataravô, Antonio Francisco Moreira. Na época de sua morte, em novembro de 1930, restava apenas uma pequena fração desse capital.
É claro que, em retrospecto, é fácil dizer que esse capital foi grosseira e irresponsavelmente dilapidado. Ipanema hoje é um bairro de luxo e um apartamento à beira-mar na Praia de Ipanema pode custar de 3 a 4 milhões de dólares. Inquestionavelmente, a melhor estratégia para um investidor de longo prazo teria sido construir um grande muro ao redor da propriedade e esperar.
No entanto, até as ultimas décadas mais recentes, a realidade é que Ipanema permaneceu um bairro pacato e distante, principalmente se comparado a Copacabana. Foi apenas na década de 1960 que começou a virar um lugar de moda. Desde a década de 1960, o centro social e cultural do Rio de Janeiro deslocou-se rapidamente para as praias do sul, levando a uma grande valorização imobiliária.
Quando a família de Antônio Carlos (Tom) Jobim se mudou para Ipanema em 1933, foi porque sua mãe, recém divorciada, não tinha condições de morar em um bairro mais abastado. Por esse mesmo motivo, uma onda de imigrantes se estabeleceu ali depois da Segunda Guerra Mundial.
Na década de 1960, a geração de Antonio Carlos Jobim tornou Ipanema famosa com a Bossa Nova. Foi da esplanada do Bar Veloso na Avenida Prudente de Moraes que Jobim avistou a “menina de Ipanema”, Helô Pinheiro, voltando da praia para casa de biquíni, e o resto é história.
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